domingo, 3 de julho de 2011

O PORTUGUÊS É UMA FIGURA

 O voo da fala
Por Marcílio Godoi

(...) Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna. (...)


      (Patativa do Assaré, Aos poetas clássicos)

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

O DIALETO CAIPIRA
Por Amadeu Amaral

     Nas orações relativas não se emprega senão "que". Nos casos que, em bom português, reclamam este pronome precedido de preposição, o caipira desloca a partícula, empregando-a no fim da frase com um pronome pessoal. Exemplos: A casa em que morei - A casa... que eu morei nela; O livro de que falei - O livro... que eu falei dele; A roupa com que viajava - A rôpa... que eu viajava cum ela.
     Frequentemente se suprimem de todo a preposição e o pronome pessoal, e diz-se: 'a casa que eu morei', 'o livro que eu falei', ficando assim a relação apenas subentendida.
     Os relativos "o qual", "quem" e "cujo" são, em virtude do processo acima, reduzidos todos a "que": O cavalo com o qual me viram aquele dia - O cavalo que me viram com ele naquele dia; A pessoa de quem se falava - A pessoa que se falava dela; O homem cujas terras comprei - O home que eu comprei as terras dele.
     Em Portugal observa-se entre o povo idêntico fenômeno, isto é, essa tendência para a simplificação das fórmulas das orações relativas. Lá, porém, tais casos são apenas frequentes, e aqui constituem a regra absoluta entre os que só se exprimem em dialeto - regra a que se submetem, sem o querer, até as pessoas educadas, quando falam despreocupadamente.
     Outra observação: lá, o relativo "quem" precedido de a se resolve em lhe, e aqui só se substitui por "pra ele". Assim, a frase "O menino a quem eu dei um livro" será "traduzida" pelo popular português: "O menino que eu lhe dei um livro"; pelo nosso caipira: "O minino que eu dei um livro pra ele".